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domingo, 30 de janeiro de 2011

Nostalgia do trabalho

Thomaz Wood Jr.
Carta Capital

Ao longo dos séculos, o trabalho passou por várias mutações. A Grécia Antiga não o tinha em alta conta: seus luminares o consideravam um inimigo da virtude, a brutalizar a mente dos homens e inutilizá-los para as atividades mais nobres: a política e a filosofia. O Renascimento recuperou o valor do trabalho e elegeu seu herói: o mestre artesão, capaz de dele extrair sustento e arte.

No entanto, foi com a Revolução Industrial que o trabalho atingiu o seu apogeu, sendo celebrado como motor da modernização e da transformação do mundo. Hoje, a nossa sociedade tem outros deuses: cultua mais o consumo do que a produção, valoriza mais a imagem do que o fato, celebra mais o cargo do que o batente.
Significativamente, surgem aqui e acolá nostálgicos da velha ordem. Notem, por exemplo, a proliferação de profissionais bem-sucedidos com “hobbies sérios” ou “atividades paralelas”. Parece estar crescendo o número de médicos pintores, financistas carpinteiros e engenheiros moveleiros. Como se não bastassem as longas e estressantes jornadas de trabalho, muitos profissionais mostram-se ávidos em localizar espaço na agenda para desenvolver e exercitar suas competências manuais. Sintomático!
O norte-americano Matthew B. Crawford seguiu os passos do sucesso ditados pela nova sociedade da informação: obteve um Ph.D. na Universidade de Chicago e conseguiu emprego em um think tank em Washington, D.C. Entretanto, não demorou para se desiludir com a manipulação de ideias e se frustrar com o restrito uso de seu intelecto. Então, retornou algumas décadas na tecnologia e dois séculos na organização do trabalho: foi montar uma oficina de reparos de motocicletas antigas. No livro Shop Class as Soulcraft An Inquiry Into the Value of Work (The Penguin Press, 2009), Crawford narra sua saga e defende seus argumentos.

O autor parte da constatação de que uma mudança substantiva está em curso: o que antes fazíamos, agora compramos pronto; o que antes consertávamos, agora substituímos. Estamos, com isso, perdendo nossas habilidades manuais e nos tornando mais passivos e dependentes. Pior: estamos também perdendo alguns fatores intrínsecos de satisfação do trabalho.

Para Crawford, o retorno ao artesanato, como mecânico de motocicletas, devolveu-lhe o verdadeiro sentido do trabalho. Primeiro, porque o resultado é claramente visível e reconhecido pelo cliente. Segundo, porque o trabalho envolve operações cognitivas complexas que dependem de conhecimento prático e experiência acumulada. Terceiro, porque sua posição lhe confere um lugar na comunidade.

O autor argumenta que quem trabalha mais próximo dos fenômenos naturais consegue estabelecer correlações e princípios mais coerentes, enquanto quem lida permanentemente com abstrações e ignora a matéria-prima da realidade tende a gerar dogmas com base em poucas observações. Para o autor, o conserto de motocicletas envolve raciocínio mais amplo e complexo do que o trabalho no think tank, o contrário do que apontaria o senso comum.
Mas qual a raiz da desvalorização do trabalho artesanal? Segundo os manuais de gestão, o ponto de inflexão deu-se pela consolidação da linha de produção fordista e pela disseminação dos princípios de administração científica, que ocorreram no início do século XX. Esses fenômenos gêmeos aumentaram significativamente a produtividade, reduziram custos de manufatura e criaram as bases para a sociedade de produção e consumo em massa. Como efeito colateral, eles marginalizaram o trabalho artesanal. A separação entre o planejamento do trabalho (realizado por especialistas e gerentes) e a execução do trabalho (realizado mecanicamente por operários) destruiu algumas características que proviam satisfação intrínseca ao trabalho.

Esse movimento, que começou na indústria, avança agora firme no setor de serviços. Os bancos, as seguradoras e os hospitais têm processos que estão sendo cientificamente racionalizados, como se fossem linhas de produção. A separação que ocorreu com o trabalho industrial está agora ocorrendo com o trabalho no setor de serviços: enquanto os gestores se atolam em reuniões, PowerPoints e ­e-mails, o trabalho nos porões das centrais de atendimento e nos centros de serviços sofre forte padronização e rotinização.

Crawford é claro em sua valorização dos laços morais que ligam os trabalhadores ao seu trabalho e os empreendedores aos seus consumidores, laços que não deveriam ser tão prontamente sacrificados no altar da eficiência e do crescimento. O esfacelamento desses laços desencoraja a prudência e pode provocar efeitos nefastos. Não faltam recalls de produtos ou crises financeiras para ilustrar o argumento.